23 de mai. de 2011

A segunda vez

Dizem por aí que piada contada pela segunda vez não tem graça. Que a segunda vez que nos apaixonamos jamais superará as inesquecíveis lembranças do primeiro amor. E o segundo encontro com um Beatle? Tem menos graça e já não deixa emoções tão fortes quanto o primeiro show?

A apresentação de Paul ontem, no Engenhão, poderia se encaixar nessa teoria. Afinal, além de o setlist ser praticamente idêntico ao do primeiro show de São Paulo, em novembro do ano passado (as exceções foram a entrada de "Hello Goodbye" e a ausência de "Venus and Mars/Rock Show", "My Love" e "Highway"), ficou claro para quem foi às duas apresentações que Paul segue um script em seus shows (a saudação ao público na língua local antes de "All My Loving", por exemplo).

Vamos com calma, porém. Paul não seria considerado um dos grandes criadores da música pop, como o é hoje, se tivesse passado toda sua carreira preso a padrões. Pelo histórico dos Beatles, sabemos que ele, John, George e Ringo sempre estiveram a anos luz de distância do que se entende por limitação. Se o show segue um roteiro, talvez seja porque é necessário ter um modelo "seguro" que vai chegar a públicos diferenciados com reações imprevisíveis. Faz parte do showbusiness, não podemos negar.

Mas, se por um lado, Paul não deixa de seguir um script, por outro, é flexível o suficiente para ir além dele quando o público pede. Foi o que aconteceu ontem. Ele fez todas as intervenções habituais. Mas falou mais que o de costume, brincou com o público espontaneamente, se emocionou com a surpresa preparada em Hey Jude. Em resumo, correspondeu à reação de que, foi ao Engenhão.

Nesse aspecto, Paul ganha um ponto em relação a seus colegas. George relutou muito em voltar aos palcos, o que não permitiu aos fãs terem esse retorno por parte do guitarrista. John insistiu em criticar o culto aos Beatles, provocando uma reflexão necessária sobre o status da banda. Ringo, digamos, tem aquela discrição típica dos bateristas. Paul, por sua vez, que hoje concentra em sua figura boa parte da história dos Beatles devido à ausência de dois de seus companheiros já falecidos, vai na contramão e acolhe a carência e o furor dos fãs dos fab four.

Acho que é uma espécie de reciprocidade, visível na apresentação de ontem, principalmente por eu ter ficado na grade, tão perto dele - aquele pontinho azul no palco do show do Morumbi, que só tomava forma numa impessoal tela de LED, finalmente se transformou em alguém de carne e osso, com todas as suas reações e expressões. Isso coloca por terra qualquer "teoria" da segunda vez. Soa suspeito ouvir isso de uma fã de Beatles, mas a história está aí para provar que qualquer coisa vinda de qualquer um deles tem dimensões maiores que o normal. Portanto, acreditem: o show de ontem foi sublime, como se fosse o último, o único ou o primeiro. Graças a Paul.

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