Pois agora Jeneci vai ter tempo para vivenciar a tranquilidade mineira. Ele se apresenta em Belo Horizonte nesta sexta-feira (27), no Conexão Vivo, e no dia 12 de junho, como atração do Natura Musical.
O músico volta à cidade um ano depois de uma passagem mais discreta, também pelo Conexão Vivo, em abril do ano passado. Àquela época, ele ainda não havia lançado seu primeiro disco, "Feito pra Acabar", que chegou ao mercado somente em novembro e imediatamente o projetou como uma das revelações da nova geração da música brasileira, fruto de um bom acolhimento do trabalho por público e crítica. Apesar do primeiro disco, Jeneci já acumula dez anos de carreira como músico. Começou como integrante da banda de Chico César, tornou-se parceiro de composição de Arnaldo Antunes e Zélia Duncan e é autor do hit "Amado", sucesso de Vanessa da Mata que integrou a trilha da novela "A Favorita".
Abaixo, a íntegra da entrevista que fiz com o músico na semana passada, quando ele veio a BH para o lançamento do Natura Musical.
Você foi músico de apoio de bandas e compositor. A carreira solo era um desejo ou simplesmente aconteceu?
A carreira solo, que tá começando agora, ela na real é resultado de uma vontade que foi nascendo ao longo desses anos em que eu tocava em outros projetos, na banda do Chico, na banda da Vanessa da Mata. E acho que de tanto ver o que eles conseguem fazer ali do palco, vendo aquela multidão cantando e embalando no show deles, eu aos poucos fui sentindo vontade não de fazer igual, mas eu percebi que só tocar não era o suficiente, sabe?, que eu precisava escrever, que eu precisava cantar também. Foi uma vontade que foi se acumulando, e só depois de dez anos foi que realmente começou a sair mesmo. Isso é recente. É quando eu comecei a compor as músicas desse disco, “Feito pra Acabar”, que acabou de ser lançado no final do ano passado. Então agora que ele está começando a valer.
Como você vem recebendo a boa recepção do seu disco?
Na real, eu nunca tinha experimentado ser foco de uma crítica pra dizer bem ou mal de um trabalho meu. Eu sempre estava tocando na banda de quem corria esse risco. Eu não criei muita expectativa, mas também não fiquei com muito medo se iam falar bem ou falar mal, porque quando a gente acredita no que a gente faz, parece que pouco importa o que vai acontecer com isso. Mas eu acho que é mais fácil dizer isso agora depois de ter tido uma experiência muito positiva. Se tivesse sido o contrário, “ah, o disco dele é ruim, não ouçam”, talvez eu não estaria dizendo isso. Mas eu fiquei muito feliz com a repercussão. Na real, eu sentia falta de uma música que ao mesmo tempo fosse simples e direta e dissesse coisas com uma profundidade e coisas muito sinceras, menos manipuladas, e eu comecei a perceber que o que eu queria fazer era isso e que existia uma necessidade de algo que carregasse essa leveza, uma carência no ar no público geral para se alimentar um pouco disso. Então eu tinha uma certa confiança de que assim que estivesse pronto, justamente pela maneira como foi feito, muito cuidadoso, muito caprichado, alguns anos ali só estruturando isso no cine-pensamento, na cabeça, eu fiquei com uma expectativa de que isso realmente fosse cair bem no coração de muita gente e aí fiquei muito entusiasmado com isso e saí fazendo. Tô muito feliz em ver que a crítica falou bem e que o público tá aumentando, sabe? Não é uma coisa muito rápida, que aos pouquinhos vai crescendo, vai tendo seu lugar. Eu me inspiro muito nas pessoas que conseguem fazer isso, que conseguem achar o lugar do respeito, não o lugar comercial. Às vezes as duas coisas se cruzam e é muito legal quando acontece, mas eu prefiro ficar em busca de fazer a música que com o passar do tempo continue boa, ao invés de uma música que queira insanamente criar uma multidão de fãs de uma hora pra outra.
Muitas de suas músicas têm elementos que me remetem à música romântica e brega. Você ouviu muito isso?
Eu ouvi bastante na infância os discos do Roberto Carlos, eu ouvi também bastante os discos do Alceu Valença e na adolescência comecei a conhecer o universo do Tom Jobim, ao mesmo tempo em que eu passava o dia ouvindo rádio e vendo TV Aberta. Eu sempre consumi muita cultura popular, porque eu vivia num bairro afastado da cidade que, além de ser uma família feliz que estava ali consumindo cultura popular proque só chegava lá o que era realmente muito forte, tudo o que era em torno daquele bairro era em torno de uma cultura direta, de algo muito forte, só é bom que tem essa força de comunicação. E quando comecei a viajar pelo mundo eu comecei a ter outro tipo de ensinamento. Foi quando eu conheci o José Miguel Wisnik, quando conheci o Luiz Tatit, o Arnaldo Antunes e eu, muito estudante, um cara que sempre fui muito ligado e viciado em querer ficar perto de quem tem muito o que me ensinar. Quando conheci esses caras comecei a ter contato com uma cultura que eu não tinha no lugar onde eu nasci. E aí acho que essas duas coisas foram se compatibilizando em mim e na hora de fazer alguma coisa autoral, é natural que essas duas coisas apareçam como a principal característica. Eu acho que em qualquer área, se a gente puder se aproximar da linha que une, e não da linha que separa os mundos, eu acho que é um bom caminho. A tua música é que a toca no radinho de pilha, a minha é que a toca na USP. A minha é que aproxima as duas coisas. Não sei se é exatamente isso que eu faço, mas como eu gosto dos extremos, e quando a gente toca e se expressa, a gente acaba dizendo muito de si mesmo, acho que eu acabo projetando isso no que eu faço e torcendo para que alguém diga exatamente isso: pois é, sua música....
O quão próximo é seu trabalho desse tipo de música? E por que é brega quando certos caras cantam, mas não é brega quando Jeneci canta?
Eu acho que já aconteceu de maneira muito pior em outra época. Eu acho que hoje em dia essa linguagem romântica-brega está sendo revisitada e repaginada por muitas bandas cool ou por uma turma formadora de opinião, isso está sendo revalorizado e repaginado, sendo reescolhido. Eu acho que ainda acontece isso num público muito específico e afastado, que não tem tanto interesse em saber das coisas de mais vanguarda. É quem tá mais tranquilo e quer ficar sem prestar atenção no atual. Mas, por exemplo, eu já acho o contrário. Se eu tenho uma música gravada pelo Odair José é sonho conquistado, se eu tenho uma música gravada pelo Roberto Carlos, beleza, agora eu posso parar de fazer música (risos). E eu acho que tem muita gente que pensa assim. Acho que desde a Tropicália, o Caetano fez muito esse papel de num disco colocar uma música que ninguém gravaria, antes desse brega tinha aqueles caras mais cafonas, da rádio, cantando muito pra fora, e ele acabou abrindo essas portas. Hoje parece tudo mais fácil pra gente que veio depois por conta de um trabalho que foi um marco, como a Tropicália. É como se tivesse só uma pista e agora pintou uma outra e agora várias gerações começaram a trilhar por essa e várias bandas e artistas foram abrindo novos caminhos dentro dessa outra avenida, aí os Los Hermanos acabaram abrindo um caminho que tá trazendo muita gente hoje em dia.
Como sua sanfona convive com uma banda cuja formação é aquela clássica do pop/rock?
Ela tem que conviver porque é o instrumento que eu certamente vou carregar pro resto da vida, é o instrumento que me leva pra lugares pra onde eu nunca pensei em ir, sabe? Acaba que quando eu deixo de tocar a sanfona, eu perco um pouco da força que tem quando a gente tá com a banda tocando guitarra, bateria, e a sanfona não está no meio. Não tem porque não misturar, é muito natural pra mim, eu não consigo pensar, “ah, vou usar a sanfona em alguma coisa”, não tem esse pensamento, é uma consequência do que eu sou, com o que os músicos que tocam comigo são, é muito natural. O piano foi o primeiro instrumento, a sanfona veio mais tarde, mas é o que tomou todo o espaço.
A Laura Lavieri canta em praticamente todas as faixas, a voz dele é bem evidente nas músicas. Está presente em algumas fotos de divulgação sua também. Parece ser quase uma dupla, apesar de você se apresentar como artista solo. Qual o papel dela no seu trabalho?
É o peso de uma parceira que carrega a mesma importância que eu nesse trabalho. Durante muito tempo, eu tive um dilema de pegar isso tudo que foi muito vivido por mim, todas as minhas lembranças e todos os meus conceitos, que foi o que eu contabilizei pra fazer o meu primeiro disco, eu fiquei muito na dúvida se deveria ser um disco que carregasse o meu nome e o dela. Eu só não fiz isso porque tudo que está ali diz respeito às coisas que eu vivi, não as que ela viveu. Agora, na questão estética e no formato, tudo o que está ali é muito dela também. É uma parceira fundamental, eu não tenho nenhuma vontade de fazer show se ela não estiver.
Como vocês inciaram essa parceria?
A gente se encontrou numa situação muito bacana, não é uma questão estética a nossa parceria. Eu conhecia o pai dela, o falecido Rodrigo Rodrigues. Quando eu saí da casa dos meus pais, ali em Guaianazes, eu fui pra zona oeste de São Paulo, na Pompéia, Vila Madalena, onde as coisas acontecem mais e conheci o pai dela que me apresentou o bairro. Ele era um cantor excelente, tinha um grupo chamado Música Ligeira. Quando o Caetano vinha a São Paulo fazer o show, sempre chamava o Rodrigo pra cantar, pra dar canja, por admirar ele. O João Gilberto quando ia a São Paulo pedia pro Rodrigo passar o som pra ele, ele era muito fino, muito classe. Aí a gente começou a ensaiar um show em homenagem ao Chet Baker porque ele cantava realmente muito parecido. E nisso, ensaiando na casa dele, via a Laura, com 11, 12 anos, passando pela casa. Eu devia ter uns 18. E aí, eu todo dia almoçando com ele, porque ele tinha uma ótica ao lado da casa onde eu tinha alugado, então a gente sempre se via todos os dias e viramos grandes amigos. No decorrer desses ensaios ele descobriu que estava doente, que tinha leucemia, e acabou morrendo dois anos depois, e a gente não conseguiu fazer o show que a gente queria fazer. E aí a Laura apareceu cantando pela primeira vez em homenagem a ele, cantando “Across the Universe”, dos Beatles. E quando eu vi ela cantando, usando o mesmo óculos que ele usava, um Ray-Ban, já que ele tinha uma ótica ele sempre se apresentava com óculos. Achei a fisionomia muito parecida e a voz muito sofisticada. Fiquei chocado com aquilo, chamei ela pra se aproximar um pouco de mim e a gente começou a se aproximar mais até que eu virei pra ela e falei, “bom, porque a gente não começa a compor e fazer um trabalho nosso, já que a gente gosta das mesmas bandas, das mesmas coisas?”. Até então eu ainda não tinha nenhuma música, aí comecei a compor, fiz “Amado”, pra Vanessa da Mata, fui fazendo um monte de músicas pra Laura cantar e aos poucos comecei a cantar também e esse trabalho foi ganhando essa força. É um exemplo das coisas que existem antes de acontecer. A nossa parceria é muito mais profunda do que somente estética.
Há quase um ano, você esteve no Conexão Vivo também. Quais as diferenças entre esses dois momentos?
Muita, porque não tinha o disco ainda quando eu vim, o show não estava tão formatado e tão redondo como está e não tinha muita gente pedindo pra que eu tocasse aqui como tem hoje. Nada disso acontecia. Aí eu fui olhar a promoção e falei, “caramba, me colocaram no melhor horário! Que legal!”. As coisas estão começando a acontecer.
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