Não há conexão direta entre Tancredo Neves e John Lennon. Pelo menos não entre o Aeroporto Internacional Tancredo Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, e o John Lennon Airport, em Liverpool. Não há voos diretos da capital para o berço dos Beatles. Mas o que a aviação impede, o sentimento dá conta de tornar possível. BH, que recebe na quarta (16), pela primeira vez, um beatle em seu solo, o baterista Ringo Starr, mantém laços particulares com a beatlemania e os ares de Liverpool.
Na falta de um avião que encurte as distâncias entre as cidades separadas pelo Atlântico, desenha-se uma ponte imaginária, como na mente do músico Aggeu Marques. "Liverpool é uma cidade do interior e considerada caipira pelos ingleses. Acho que o Brasil nos vê assim também. Na TV, os mineiros são retratados com jeito caipira. A gente aqui tem a impressão, como o Milton (Nascimento) disse uma vez, de que a mídia está olhando de frente pra praia e de costas pra gente. Liverpool tem a mesma sensação em relação a Londres, de marginalização cultural", compara Aggeu. Hoje no projeto Yesterdays, de tributo aos Beatles, ele acumula passagem por Hocus Pocus e Sgt. Pepper´s, mais antigos covers do quarteto na capital, com 27 e 22 anos de existência, respectivamente.
Apuro técnico
Com longo histórico e reconhecimento internacional, na International Beatle Week, principal festival em homenagem aos Beatles realizado anualmente em Liverpool, as duas bandas abriram caminho para que BH se transformasse em um dos polos de bandas cover do grupo inglês no país. Atualmente, estão em atividade na capital quase uma dezena de bandas que tocam repertório dos Beatles pelo menos quatro noites por semana. "Na cidade tem muita gente trabalhando com Beatles ou curtindo a banda. A formação de público é permanente", observa Beto Arreguy, vocalista e guitarrista da Hocus Pocus. A Sgt. Pepper´s, apontada na Beatle Week como um dos melhores covers de Beatles do mundo, recebeu elogios de Paul McCartney, via e-mail. "Ele agradeceu o material que enviamos. Falou que foi muito bem feito e que era a reconstrução do passado da banda", relata Jô.
Este esmero técnico é um dos pontos fortes das bandas locais, na opinião do produtor cultural Jeová Guimarães. "Os músicos mineiros não se preocupam tanto com o visual como em outras cidades, aqui se prima mais pela técnica", afirma Jeová, organizador da festa "Come Together", que reúne músicos para fazer versões de clássicos dos Beatles. Isso não impede, no entanto, que a cidade receba bem bandas de fora e com propostas diferentes. O projeto de São Paulo All You Need Is Love, que reconstitui ao vivo a trajetória dos Beatles por meio de figurinos e trejeitos, cativou o público local. Dos 25 mil DVDs que vendeu em todo o país, quase metade foi comprada pelos fãs mineiros. "O pessoal daí chega dez vezes mais animado pro show. A gente percebe a diferença no alvoroço", comenta o vocalista Sandro Peretto.
O primeiro
O alvoroço não é de hoje. Aos 12 anos, Lô Borges formou ao lado dos irmãos os The Beavers. De calça curta azul e camisa branca, eles reproduziam na BH dos anos 1960 a beatlemania em programas da TV Itacolomi e da rádio Inconfidência. "Só o Márcio sabia inglês. Ele escrevia os fonemas conforme se falava pra gente cantar: if ai feu in lov uit iu. Fizemos um certo sucesso", relembra Lô, um dos mentores do Clube da Esquina, fortemente influenciado pelos Beatles e considerado pela maioria dos entrevistados uma das raízes da beatlemania por aqui. Coincidência, ou não, a esquina das ruas Paraisópolis e Divinópolis já foi comparada com outra esquina célebre, na terra da rainha. "O Pat Metheny, guitarrista de jazz norte-americano, queria conhecer o local do Clube. O Milton explicou que era uma esquina como outra qualquer e ele falou que Abbey Road também era só um cruzamento. Ele falou pro Milton que a emoção de estar no Clube só era comparável à de estar em Abbey Road".
*Matéria publicada na edição de 12/11 do Jornal Pampulha
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