"Uma estreia nacional de Chico é como uma festa. E enquanto o show não começa, a gente pensou em cantar para esperá-lo. Cantar junto. Cantar pra ele. Talvez lá do camarim ele até ouça o burburinho. Talvez não. De todo modo, cantar já é uma forma de nos prepararmos para recebê-lo, aqui em BH. Que daqui a pouco é ele quem vai cantar pra gente. E a gente ouve. Essa ideia surgiu entre alguns dos que dormiram na fila para comprar ingresso para esse show. Essa 'cola' é só pra ajudar na cantoria".
Folhas A4 distribuídas na fila de entrada do show de Chico no último sábado continham essa mensagem, seguida de letras de "A Banda", "Vai Passar", "João e Maria" e outras canções mais populares do compositor. A ideia, como explicado, era aquecer para a estreia do músico. Não colou muito. A cantoria ficou concentrada na lateral esquerda da Plateia I, provavelmente onde o pessoal que se conheceu na fila deve ter se sentado. Mas a tietagem impressionou. Parecia plateia de auditório de programa de domingo. Ou público de popstars. Ou torcida de futebol - os gritos de "Olê, olê, olá, Chicôôô, Chicôôô" reforçaram ainda mais essa última impressão.
O contraste ao ambiente caloroso começaria com 20 minutos de atraso e aplausos de pé da plateia. Pupilo da tradição bossa-novista, que preza pelo minimalismo da performance em favor da canção, Chico segue fazendo de tudo para não chamar a atenção. Só se dirige à plateia para dar um "boa noite, Belo Horizonte", logo após a abertura, com "Velho Francisco" e, mais adiante, para apresentar seus músicos e convidar o baterista Wilson das Neves para dividir o microfone em "Tereza da Praia" e "Sou Eu". A escolha do repertório deu pouquíssimo espaço para músicas "levanta multidão" (muitas das quais impressas no papel do "pré-show" dividido na fila). Quem esperaria por "Ana de Amsterdam" ou "Baioque"? Ao final de cada música, responde os aplausos com um discreto sorriso, os olhos fechados e a cabeça ligeiramente abaixada.
Não foi tão simples assim, porém, tentar apagar-se no palco. Involuntariamente, Chico desviou a atenção das canções para si mesmo quando se perdeu com a letra de "Injuriado" e entrou um pouco depois do tempo em um dos versos, graças ao público, que cantava a letra correta. E também em "Sob Medida", momento em que também se confundiu e admitiu: "Errei". Continuou do ponto em que tinha parado. Talvez mais deliberadamente, Chico chamou mais atenção para si do que para sua obra, de fato, quando, em ritmo de rap, agradeceu a Criolo, compositor revelação do ano, pela versão de "Cálice" que o rapper paulista vem apresentando em alguns de seus shows. Foi o ponto unanimemente destacado em seu show pelo noticiário de hoje. A atitude, certamente, surpreende tendo em vista que Chico, há muito tempo, é de poucas palavras, e muito tradicional em sua forma artística para flertar tão livremente com uma fronteira tão além-MPB como é o hip hop.
No balanço final, foi a música de Chico que prevaleceu. Saí do Palácio saciada por ter visto ao vivo não só um dos principais responsáveis por me abrir as portas (e ouvidos) para a música brasileira, mas principalmente por ter visto um artista tão esmerado com sua obra e com os músicos de longa data que ajudam a sustentá-la ao vivo. Chico me convenceu que o que criou é muito maior que o mito criado em torno da figura dele. Mas essa mesma conclusão, aliada ao fato de que esta é apenas a sua sexta turnê em quase 40 anos, me conduziu a uma questão que só ele pode me (nos) responder: qual a representatividade do palco para ele hoje?
0 comentários:
Postar um comentário