Se George Harrison ficou conhecido como o beatle quieto, Ringo Starr como o brincalhão e John Lennon como o integrante dotado de rebeldia, sobrou para Paul McCartney os estereótipos de bom moço, carismático e educado. É a imagem que ele sugere no palco, em entrevistas e em biografias, desde a época dos Beatles até hoje, mas é também a impressão deixada pelo próprio em fãs que tiveram a oportunidade de se aproximar do músico, que no próximo sábado (4), estreia sua nova turnê, “Out There”, no Mineirão, com ingressos esgotados.
“Uma pessoa muito simpática, muito agradável, um cara sensível, engraçado e muito educado”, lista a carioca Lizzie Bravo ao adjetivar Paul. A lista de elogios é um resgate das anotações que fazia sobre ele em seu diário, na adolescência, entre 1967 e 1969. Neste período, entre os 15 e os 18 anos, Lizzie morou em Londres, onde trabalhou, estudou, acompanhou diariamente os Beatles na condição de fã, e também teve a honra de participar de uma gravação da banda – ela fez os backing vocals de “Across the Universe”.
Sua rotina na capital inglesa era ir para a escola (faltava muito) e o trabalho durante o dia e rumar para a porta dos estúdios de Abbey Road no fim da tarde, quando os quatro rapazes costumavam dar início às sessões de gravação. Topava com todos, que sempre se mostravam simpáticos, naturais e brincalhões, segundo Lizzie. Com Paul, especificamente, ela sentia-se mais à vontade para conversar, pois, diante de John, seu beatle preferido, gaguejava. Paul, por sua vez, retribuía as abordagens da garota com solicitude. “Ele foi extremamente atencioso comigo durante todo o tempo que morei na Inglaterra”.
Amostras dessa atenção incluíam atos simples: certa vez, Paul notou que Lizzie havia cortado os cabelos; em outra, folheou os cadernos da escola para checar se a menina estava estudando para valer; em outra ocasião, lhe emprestou um gravador. “Comentei que tinha recebido uma fita K7 de amigos brasileiros, mas não tinha conseguido ouvir ainda porque era difícil achar gravador naquela época. Ele então falou: ‘vai lá em casa que eu te empresto’. Ele me levou pra dentro da casa dele, me explicou como funcionava o gravador e fiquei com o aparelho emprestado uns dias. Ele era bastante acessível”, recorda. Isso foi em 1969, quando os Beatles já tinham feito história e construído um império.
Não raro, Lizzie e outras fãs acompanhavam Paul, tarde da noite, no trajeto do estúdio para casa, a mesma que ele mora até hoje, na Cavendish Avenue. Os poucos minutos que separam o local de gravação da residência eram feitos a pé, com um detalhe. “No verão, de vez em quando ele ia descalço”, diz.
A boa impressão que Paul deixou em Lizzie nos anos de Londres não foi quebrada quando os dois se reencontraram, 21 anos depois, em 1990, nos Estados Unidos, em uma coletiva de imprensa para jornalistas brasileiros, na qual Paul falaria sobre sua primeira turnê no Brasil. Ela foi credenciada como fotógrafa e teve uma surpresa no final. “Ele se levantou e apertou a mão de todo mundo que estava lá. Quando chegou minha vez, perguntou: ‘por que será que me lembro de você?’. Falei: por que cantei no mesmo microfone que você”, relata.
Moleton e cabelo atrapalhado
Repetindo cenas do passado protagonizadas por Lizzie, a arquiteta Marina Garcia usou o último dia de sua estada em Londres, no ano passado, para “fazer ronda” nas proximidades da casa de Paul na esperança de encontrá-lo. Depois de algumas voltas no quarteirão sem muito sucesso, o operário que trabalhava em uma obra na casa vizinha à do astro comentou com a fã que ele havia ido à academia, localizada num clube de críquete na rua contígua à que mora, junto com a esposa, Nancy. Dica de ouro.
Dez minutos depois, Marina avistou Paul dobrando a esquina. “Ele estava com roupa de academia, de moleton, com o cabelo atrapalhado”, descreve a arquiteta, que ressalta a gentileza do casal diante de sua abordagem. “Ele é essa pessoa meio inacreditável, que mora na mesma casa desde os anos 1960, perto de Abbey Road, onde tem muitos turistas e fãs, e estava indo para a academia a pé, sozinho, sem nenhum segurança”.
Paul apenas se recusou a dar um autógrafo. “Gentilmente, ele disse que não. Mostrou que ali era a rua da casa dele e brincou: ‘let’s shake hands, right?’”. Essa é uma postura corriqueira do beatle: oferece a fãs que o abordam na rua aperto de mão no lugar de autógrafos ou fotos. Em uma cena do documentário “The Love We Make”, sobre show beneficente que o músico organizou no pós-11 de setembro em Nova York, ele está dentro de um carro quando um homem lhe pede autógrafo pela janela. Ele reluta em dar sua assinatura alegando que há quem peça autógrafo com fins comerciais, como leiloar na internet.
Encontro particular
Mas isso não quer dizer que ele nunca presenteie os fãs. Virou moda em seus shows fãs pedirem autógrafos no corpo para transformá-lo em tatuagem e o ídolo atende alguns (a maioria meninas), chamando-os no palco para concluir o pedido. O publicitário Adriano Nunes tem uma dedicatória de Paul também, mas a conseguiu após um encontro particular com o beatle.
No show de Florianópolis, em abril do ano passado, ele comprou o ingresso que dá direito a assistir à passagem de som e aproveitou para levar um cartaz pedindo que Paul autografasse seu trabalho de conclusão de curso da faculdade, sobre a carreira do ídolo. Após o músico deixar o palco, Adriano foi chamado por um segurança: o Sir queria vê-lo.
Já no backstage, o publicitário foi surpreendido por um Paul que chegou sorridente e de braços abertos para abraçá-lo. “É uma atitude que eu não esperava de uma pessoa que está tão acostumada com assédio”, diz. Travado que o fã estava, coube a Paul puxar a conversa. O músico pediu detalhes sobre o trabalho, folheou as páginas, leu trechos em português e elogiou. Foram apenas cinco minutos, mas bastaram para que Adriano sanasse uma dúvida que tinha: seria Paul simpático como aparenta ser em público? “Ele é humilde, muito tranquilo. Deixa a pessoa à vontade e no mesmo nível dele. Fala olhando nos olhos, abraço e aperto de mão firmes, dá pra ver que não é falsidade”.
Mais
O diário que Lizzie Bravo escreveu sobre sua convivência com os Beatles em Londres vai virar livro. O lançamento de “Do Rio a Abbey Road” deve ocorrer na BH Beatle Week, no fim do ano
VOCÊ SABIA?
Nome
Paul se chamaria James McCartney IV, em homenagem ao pai, ao avô e ao bisavô, todos batizados com o mesmo nome. Para facilitar a distinção entre os quatro, sua mãe, Mary, decidiu chamar o filho de James Paul McCartney
Música
Paul se iniciou na música tocando trompete, um presente do pai, Jim McCartney, para seu aniversário de 14 anos. Logo ele trocaria o instrumento por um violão. Ele queria algo que o permitisse cantar e tocar ao mesmo tempo
Animais
Desde 1966, Paul mantém na Escócia uma fazenda. Vegetariano e ativista dos direitos dos animais, o astro cria ovelhas na propriedade
Dinheiro
Em meados da década de 1960, Paul tinha o hábito de guardar os milhões que ganhava em sacos de dinheiro num cofre de sua casa. O compartimento não ficava trancado e continha centenas de pacotes
Arte
Paul é pintor e já criou mais de uma centena de telas, as quais incluem retratos e imagens abstratas
Vídeo game
Paul tem o hábito de jogar Beatles Rock Band com os netos. Ele sempre perde, mas corta o barato dos netos ao lembrar que o jogo só existe por causa dele
*Reportagem publicada na edição de 26/4/13 do jornal Pampulha
29 de abr. de 2013
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