Alice só quer saber de carnavalizar a obra do avô Dorival |
Esqueça purismos, reverências, mitificações e relações sacralizadas. Elas não cabem em “Dorivália”. Fusão de Dorival com Tropicália, o show de Alice Caymmi, neta de Dorival (1914-2008), que aporta no Granfinos no próximo sábado (15), vira as costas para os padrões e aponta para a liberdade estética para celebrar o centenário do compositor baiano - se vivo, ele faria 100 anos no próximo 30 de abril.
“Canção da Partida”, “Modinha Para Gabriela”, “Maracangalha”, “Oração de Mãe Menininha” e “O que é que a baiana tem?”, dentre outras composições do avô selecionadas pela memória afetiva de Alice surgem no repertório de “Dorivália” com novos arranjos, fundamentalmente de ritmos baianos como o axé, o samba reggae e o samba duro, mas também combinados com o peso da guitarra e a estridência do violino.
É um grito de liberdade e de transgressão inspirado no movimento fundado por Caetano e companhia nos anos 1960, segundo Alice, que pediu aos músicos que a acompanham (Gabriel Mayall, na guitarra, Gustavo Benjão, no baixo, Marcelo Lupis, no violino, Thiago Silva, na bateria, e Pacato, na percussão) que ignorassem o songbook de Caymmi na hora de retrabalhar as canções.
“Eu trouxe um conceito do tropicalismo para a obra dele (Dorival Caymmi) que é a antropofagia cultural, a liberdade de se interpretar uma obra sem saudosismo, sem purismo, sem burrice. Não quis ficar pensando na importância da obra do vovô em si, mas na importância que a obra dele tem pra mim, as coisas que ele me disse e que ele cantou, que me tocaram”, justifica.
Porém, mais que um impulso pessoal, a liberdade de interpretação, para Alice, é uma marca geracional, o que a coloca em lado oposto ao do próprio tio, Dori Caymmi. Em entrevista ao Pampulha< em dezembro de 2012, por ocasião de um show em homenagem à obra do pai, Dori defendeu a execução fiel das canções e disse não acreditar em releituras. “Esse homem tem 71 anos e eu tenho 23. Os mundos que nós frequentamos foram outros. Ele é um homem da época da pureza da música, ele estava lá, aprendeu a tocar violão com o Baden Powell. Ele faz o que quiser porque é um gênio”, reflete, para então teorizar sobre a questão geracional. “A minha geração só sabe reler. A genialidade da minha geração está na releitura e na interpretação subjetivas da obra que já foi. Quem tenta fazer igual, não faz. Fica parecendo um hippie chato”, defende.
Querendo fugir da chatice, a liberdade que fundamenta o show também se manifesta na performance de palco, lembra a cantora. “Falei para os meninos da banda não usarem camisa no show. Um deles brincou que era gordinho, e expliquei que o ‘Dorivália’ é você se mostrar e dane-se. Eu não sou modelo da Vogue e uso maiô no show porque o ‘Dorivália’ é isso, é transgressão”, reforça Alice, que demonstra o mesmo descomprometimento com convenções quando o assunto são os projetos que vão comemorar os 100 anos do avô – a família planeja o lançamento de uma caixa com a discografia completa de Dorival e a edição de livros e songbook. “Eu ouço falar e tal, mas não tenho a menor participação nisso. Eu vou a lançamentos porque tenho respeito, porque é minha família, mas não diz respeito a mim.”
Alice Caymmi – Dorivália
Encerramento: bloco Baianas Ozadas
Granfinos (av. Brasil, 326, Santa Efigênia, 3241-1482). Dia 15 (sábado), às 22h. R$ 30 (promocional, inteira)
*Texto produzido para o jornal Pampulha de 8/2/2014
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