3 notas sobre a morte de David Bowie

O que eu trouxe na bagagem da Colômbia

A(s) pergunta(s) que eu não fiz para Steve Aoki

4 de ago. de 2015

Disclosure e Sam Smith são como pão com manteiga

Quem é o pão e quem é a manteiga?

Eles formam a dupla indie-eletrônica descolada e low profile; ele é o rapaz das músicas de amor e sofrimento estouradas nas paradas de sucesso. Portanto, não habitam exatamente o mesmo território. Mas quando eles, Disclosure, se juntam com ele, Sam Smith, é como se fosse pão com manteiga. A dupla de irmão britânicos, as duas fatias de pão; o cantor pop, a manteiga (e daquelas bem derretidas).

A primeira parceria, o single "Latch", lançado em 2012, poderia ter sido apenas um acaso de sintonia. Mas o recém-lançado single "Omen", a segunda parceria do trio, indica que há uma empatia artística entre Disclosure e Sam Smith que faz tudo se encaixar tão natural e suavemente que é como se os mocinhos formassem todos uma mesma banda. Sam ganha mais groove, Disclosure ganha mais sentimento. A propósito, porque eles não partem para fazerem um disco juntos? Já quero!








2 de ago. de 2015

Abrindo os ouvidos para a Noruega

Shining: é black metal, é jazz, é Noruega



Eu fiz esse texto há quase um ano para o Festivalando, mas ele acabou não sendo publicado. Falo sobre duas bandas que conheci (e gostei muito) durante o Brutal Assault, festival de heavy metal na República Tcheca, no qual estive no ano passado. Aproveitando que nesta semana rola mais uma edição do festival, resgato o texto neste espaço.

Reza o clichê dos festivais de música que os mesmos são uma ótima oportunidade para descobrir (e aprender a gostar de) novas bandas e artistas, já que há oferta grande de shows num curto espaço de tempo. No meu caso, não havia lugar melhor para colocar o clichê à prova do que o Brutal Assault, na República Tcheca. Festival de heavy metal, que não é exatamente a minha praia, com uma tonelada de nomes desconhecidos pra mim (ok, como eu sou poser, pelo menos o Slayer me era um nome familiar).

Clichê posto à prova, clichê comprovado: depois de uma dezena de shows, saí de lá com duas bandas que se tornaram as minhas favoritas de todos os tempos dos últimos meses. Shining e Combichrist, ambas coincidentemente da Noruega, ambas coincidentemente escaladas para tocar uma na sequência da outra na penúltima noite do festival.

Roupa de indie
"Olha, Pri! Tá parecendo essas bandas que você gosta". Foi o comentário da Gra quando o Shining subiu no palco. E era verdade. Todos super elegantes em peças pretas de alfaiataria super bem ajustadas. Poderiam se passar por um Interpol, Franz Ferdinand ou Kraftwerk caso alguém olhasse bem rápido, de longe. Talvez o visual indie-friendly tenha me deixa mais predisposta a curtir o show, o que aconteceu de fato.

O que me conquistou no Shining foi o híbrido ousado de industrial com black metal e... jazz, este último onipresente no sax do vocalista Jørgen Munkeby. O disco "Blackjazz", de 2010, sintetiza em seu nome o som que a banda vem fazendo desde então. Antes disso, a banda fundada em 1999 fazia jazz instrumental, com um flerte para o rock sintetizadores no meio do caminho que acabou culminando no som atual. Vale a pena ouvir os trabalhos desde o início para entender como o Shining chegou até o seu único e peculiar black jazz.




PS: Shining deve ser um nome de banda com muito apelo na Escandinávia, visto que há uma banda homônima sueca de black metal. Munkeby declarou em entrevistas que não vê problema algum na coincidência.

Rave metal
Eu já estava satisfeita com minha descoberta do Shining quando, na sequência, o Combichrist veio completar minha alegria de criança provando doce novo. O que me pegou na banda, que está na ativa desde 2003, foi a mesma lógica do Shining, a combinação de elementos que normalmente não dialogam muito. No caso do Combichrist, a receita é música eletrônica com vocais e batidas agressivas, o que os ~entendidos~ chamam de aggrotech, um derivado do industrial.

Mais legal que conhecer as duas bandas (pohan, como eu consegui não conhecê-las durante esse tempo todo?), foi ver o público curtir os dois shows tendo em vista as propostas menos ortodoxas em relação gênero dominante do festival. Abaixo, trechos do Shining e do Combichrist no Brutal Assault 2013, na história noite em que ambos me conquistaram :P



30 de mai. de 2015

Enfim, um reality musical bom de verdade, brasileiro de verdade

PRE-PA-RA que é hora do show das poderosas

Um abraço apertado cheio de gratidão em quem teve a ideia de colocar no ar um programa como Lucky Ladies Brasil, o reality show que estreou na Fox Life na última segunda (25). Tendo Tati Quebra Barraco como chefona-poderosa-mentora-mor, o programa reúne MC Carol, Mary Silvestre, Karol Ka, MC Sabrina e Mulher Filé em uma cobertura super ostentação com vista para a praia de Copacabana. Sob orientação de Tati e do produtor musical Rafael Ramos, as moças vão ser preparadas para se apresentarem em um mega show ao lado de sua mentora ao final do programa.

Em uma tacada só, ficamos livres:

1) dos formatos engessados dos programas caça-talentos que pipocam na TV aberta
2) dos candidatos a ~ídolos~ que confundem gritaria com técnica vocal, cheios de trejeitos copiados do pop americano e muito carentes de personalidade, espontaneidade e presença de palco
3) dos jurados inexpressivos, e que só despertam algum tipo de reação no público quando são muito irritantes (pense na Milk da Bahia)

Em troca, Lucky Ladies nos deu:

1) um reality com uma cara bem própria. A Fox Life em sua versão hispânica tem seu Lucky Ladies também, mas ele mostra a vida das esposas de roqueiros famosos do México, claramente uma proposta bem diferente. E é claro que um programa que coloca figuras de personalidade voltadas para um objetivo comum, como é o caso do reality brasileiro, é muito mais propositivo e tem muito mais apelo
2) participantes que transbordam personalidade, mulheres com muita história pra contar, fortes, empoderadas e diferentes entre si no comportamento, na aparência e na carreira construída no funk até aqui
3) uma mentora igualmente de personalidade transbordante, forte, empoderada que vai falar o que for necessário sem meias-palavras

De bônus, o programa ainda vai atacar em outras duas frentes: mostrar as histórias de vida das cantoras, como boas personagens que são e ainda vai colocar o funk em discussão. Ficou claro já no primeiro episódio que há uma tensão muito grande no que diz respeito à autenticidade e legitimidade de uma funkeira (ex-miss, com origem longe das comunidades, Mary Silvestre quer provar que também tem o direito de fazer funk) e sobre como deve se pautar seu trabalho (Mulher Filé explora muito o próprio corpo. Tati Quebra Barraco já adiantou que ela precisa cantar mais e dançar menos. MC Sabrina se incomoda com o fato de essa postura perpetuar a ideia de que brasileira é só bunda).

Ou seja, vai mostrar que tem pessoas muito interessantes fazendo funk e levando a coisa toda a sério, como a indústria da música exige de qualquer outro artista que quer se projetar. Pra você que ainda faz cara de nojinho pro funk, essa é uma boa deixa pra mudar.

Lucky Ladies vai ao ar na Fox Life às segundas-feiras, às 22h30.

11 de mai. de 2015

Por livros de colorir mais diversificados (e musicais)

Ainda bem que eu tenho os Beatles para colorir e posso, assim, fugir das tediosas e repetitivas mandalas

Nos últimos quinze dias eu dei uns rolês por umas quatro ou cinco livrarias, aqui em BH e em São Paulo, e me deparei com a onda dos livros de colorir para adultos. Onda, não. Tsunami, porque a coisa veio com força descomunal e de maneira repentina. Em quaisquer das livrarias, lá estavam os livros de colorir em pilhas imensas, expostos bem na entrada, para (retro)alimentar um desejo misterioso surgido do nada por colorir desenhos.

Em tese, problema nenhum. Não me importa se isso é uma moda passageira, um fenômeno saudosista ou o indício de uma mudança comportamental e surgimento de uma nova tendência - quem tem um hábito, seja lá qual for, o mantém independente das oscilações do mundo exterior. Mas me incomodou demais notar que em todas as livrarias os livros eram sempre os mesmos. Exatamente os mesmos - aqueles com desenhos de paisagens naturais, flores, folhas, mandalas, com padrões repetitivos.

Muita gente pode ter ficado com vontade de colorir da noite pro dia, mas nem todo mundo tem vontade de colorir essas coisas. Eu não tenho. Quero colorir coisas que tenham a ver comigo e de que eu goste. Desenhos dos Beatles, por exemplo. As fotos deste post são de um livro de colorir que comprei há três anos em Liverpool, no Beatles Story, o museu que conta a história da banda. Queria achar outras coisas ligadas a este universo musical. Tem gente que deve estar a fim de colorir os heróis da Marvel, outros a fim de uns desenhos de Star Wars, outros dos Simpsons. Ou paisagens de cidades futurísticas, de grandes obras de arte, das sete maravilhas do mundo, do espaço, de aliens, zumbis, whatever.



E aí que tem umas outras opções de livros do tipo no mercado (desenhos do Warhol, do Van Gogh, uns desenhos divertidíssimos de suruba feitos por vários cartunistas brasileiros), e eu não entendo porque as livrarias simplesmente não aproveitam a onda para expor uma gama maior de produtos aos seus clientes. E não entendo porque os detentores dos direitos de personagens e franquias como as que eu citei acima não acordam pra vida e lançam livros com seus personagens para surfar na onda, ganhar um $ a mais e ainda fazer a alegria da galera que está órfã de livros de colorir que dialoguem com seus interesses.

A internet, como sempre, muito mais rápida, já oferece opções menos pasteurizadas, caso dos sites Super Coloring e The Color (desconsidere o uso de Comic Sans).

PS: Sim, é verdade o que dizem. Colorir realmente ajuda a dar uma relaxada, a mergulhar em um outro mundo, além de fazer o tempo voar sem você perceber. Mas também deixa a mão doendo pra caramba, mas isso não te dizem.

29 de abr. de 2015

Mirem-se no exemplo do Franz Ferdinand + Sparks

Não se engane: eles soam retrô, mas não vivem de passado

O Sparks poderia estar anunciando uma turnê de despedida com todos os seus principais singles no repertório. O Franz Ferdinand poderia estar lançando uma versão deluxe de "Take me Out" para comemorar uma década de seu principal single. Mas, de maneira muito honesta, eles estão pedindo sua atenção e te ofertando música nova sob a identidade de FFS, banda que surge da união dos quatro escoceses (o FF) com os irmãos Ron e Russel Mael (o S). Ainda bem.

Num momento presente em que a música (e também parte de seu público) vive tanto de passado - turnês de despedida, turnês de reuniões, reedições de discos clássicos, o FFS vem para mostrar que dá para unir passado e presente de um jeito muito mais interessante. A banda synthpop/new wave/e mais um tanto de coisa formada em Los Angeles nos anos 1970 se une aos escoceses que vieram na onda do ~novo rock~ do início dos anos 2000 para fazer uma espécie de mash up em escala real. Juntam as duas identidades sonoras, que apesar da distância no tempo mantêm um diálogo coerente, e disso fazem nascer algo novo: um disco inteiro.


O álbum, batizado também de "FFS", sai em nove de junho, mas dois singles já vieram a público: "Piss Off" e "Johnny Delusional". A lista de faixas também já foi liberada.



Na sequência do lançamento, o supergrupo sai em turnê por alguns festivais europeus, como Glastonbury e a primeira edição do Lollapalooza em Berlim. Torçamos para que o Franz Ferdinand, que é sócio do Brasil devido à incrível marca de nove turnês em oito anos, não demore a voltar trazendo o Sparks na mala.


27 de abr. de 2015

O que eu trouxe da Colômbia na bagagem

Não, eles não estão à venda no free shop

Acho triste como, em plena era do acesso fácil à informação abundante, a gente às vezes simplesmente negligencia certas coisas. Nunca foi tão fácil e barato ouvir toda e qualquer música de todo e qualquer lugar do mundo e, no entanto, a maioria se limita a ouvir música local e aquela que ainda é jorrada dos Estados Unidos e da Inglaterra. Me incluo nessa; shame on me.

Veja só: precisei viajar até a Colômbia para ouvir um pouco do que se está produzindo de música contemporânea por lá (ok, pra não dizer que estou tão ruim assim lembro que pelo menos o Bomba Stereo eu já conhecia). Na minha viagem para Bogotá, onde fui ao festival Estereo Picnic em missão do meu amado Festivalando, tive a oportunidade de ver ao vivo dois artistas emergentes da cena local.

Na verdade, são dois duos. O La Tostadora é um coletivo audiovisual que faz o que eles denominam de "rayacoco bailador", aquele tipo que é capaz de se acabar de dançar tanto com cumbia, regaetton, quanto com house. Ou seja, um encontro esperto de música eletrônica com elementos populares e folclóricos.



A performance de palco da dupla também entrega essa união de tradição e modernidade. Como é de costume na cena eletrônica hoje, eles se apresentam mascarados. Mas de uma maneira bastante singular, os adereços os transformam em "dois caciques de rave", nos próprios termos da dupla. Por enquanto, o La Tostadora tem um EP no currículo, "Rayacoco Bailador".



A outra dupla é Pedrina y Río (em foto que abre este post), dona de um pop delicado e gracioso, recheado com camadas eletrônicas e guitarra. A primeira música do duo, "Enamorada", foi lançada despretensiosamente no ano passado, sem nenhum artifício promocional, em uma rádio independente de Bogotá, e logo se converteu em hit nacional, daquele tipo que os ouvintes pedem nas rádios. Neste ano sai o primeiro álbum da dupla.

22 de abr. de 2015

Paul Stanley é o cara mais legal do Twitter

Siga Paul Stanley!

Nesta semana, os fãs brasileiros do Kiss poderão ficar mais perto da banda, já que os quatro mascarados estão em turnê pelo país (ontem, 21, em Curitiba; amanhã, 23, em BH; dia 24 em Brasília e dia 26 em São Paulo). Quem pode mai$, além de se aproximar através dos shows, também comprou o pacote de R$ 4 mil que dá direito a uma sessão de Meet and Greet com a banda. Já quem estiver em São Paulo vai poder ficar mais perto ainda do membro mais icônico da banda e sua fiel companheira: Gene Simmons e sua língua estarão na Livraria Cultura, em São Paulo, no sábado (25), para o lançamento do livro do baixista, "Eu, S.A. – Construa um exército de um homem só, liberte seu deus interior (do rock) e vença na vida e nos negócios " (ed. Rocco).

Mas é possível ficar perto de outro membro da banda independente de shows, pacotes caríssimos ou sessões de autógrafos - entenda apenas que o conceito de "perto", neste caso, pode ser também um encurtador de distâncias propiciado pela internet. É Paul Stanley. Vejo o vocalista do Kiss todos os dias. Na minha timeline do Twitter. E é um dos perfis mais legais que sigo: ativo, espontâneo, descontraído, interativo, tudo muito com um clima de vida real - o que cria essa sensação de proximidade.

Há mais de um ano seguindo Paul no Twitter, tenho a sensação de que ele é aquele vizinho que, apesar de não ter nenhuma relação especial comigo, tem pinta de gente fina, me desperta simpatia e está aí, todos os dias, cruzando meu cotidiano em algum momento. O Starchild é do tipo que tira foto de comida, tira sarro dos looks  da Semana de Moda de Nova York e comenta sobre os treinos que faz na academia. Tem dias que ele acompanha a esposa na aula de yoga. Depois os dois vão fazer um lanche no Starbucks. Faz parte do estilo de vida atual do artista, dinâmico, pra cima, otimista. Até hashtag que evoca isso ele criou: #LiveToWin. Muito recorrente na timeline de Paul, sempre vem acompanhada de tweets e imagens motivacionais.


Como ele é esse cara gente fina, separa tempo para dar atenção a quem tanto lhe requisita: os fãs. Eventualmente ele abre sessões de perguntas e respostas com os fãs - por conta própria, quando dá na telha, por tempo indeterminado, sem assessores interferindo ou ditando as regras ou sem a intenção de promover algo do seu trabalho. Responde de tudo: desde fãs brasileiros perguntando sobre a turnê no país até um fã que estava em dúvida sobre qual o melhor vinho que deveria comprar. Aos sábados, especificamente, é dia de ativar sua outra hashtag: #StarchildSatyrday, quando posta (e elogia absolutamente todas) as fotos de fãs caracterizados com a maquiagem do seu personagem no Kiss, o referido Starchild, de face branca e estrela negra no olho direito.


Mas Paul também é um astro do rock e não se esquece disso no Twitter. A parte mais interessante é que ele faz isso com um entusiasmo de um músico iniciante, daquele tipo que ainda se empolga com as primeiras entrevistas e batalha para divulgar cada show na sua agenda. Paul posta fotos de bastidores de entrevistas, selfies no camarim e na chegada ao aeroporto, convoca o público para cada show do Kiss e logo em seguida agradece a todos aqueles que compareceram à apresentação. Ele faz parecer como se para ele tudo ainda fosse tão encantador como da primeira vez. Poderia ter assessores que fizessem o mesmo tipo de divulgação de maneira burocrática, mas faz por conta própria, do seu jeito e com muita disposição.


A propósito, Gene Simmons também está no Twitter, tem quase quatro vezes mais seguidores que Paul, mas seu perfil segue mais essa linha burocrática-divulgação-de-agenda que mencionei acima. Não tenho dúvidas de qual grupo de seguidores se sente mais próximo do ídolo.

E que fique claro: não sou fã do Kiss, a banda nunca me marcou ou fez parte da minha história, apesar de eu ser capaz de entender o papel específico que eles desempenharam no showbiz. Ouvi a banda como caminho natural de quem ouve rock - simplesmente é preciso ouvir os clássicos. Pra você ver como Paul Stanley consegue ser uma figura extremamente simpática no Twitter. Conquiata até quem não é fã. Segue lá: @PaulStanleyLive.


20 de abr. de 2015

A(s) pergunta(s) que eu não fiz para Steve Aoki

Moço, você é feminista

Era o segundo dia de Lollapalooza Brasil, domingo, 29 de março. No meio da tarde, quando começava a garoar no Autódromo de Interlagos e o Interpol subia ao palco à luz do dia, num contraste incômodo com a natureza dark light de sua música, recebi a notícia de que teria cinco minutos de entrevista com o DJ Steve Aoki. Seria às 20h20, 25 minutos antes de seu show.

Me preparei para a entrevista e fui ver o que ainda restava do show do Interpol. Bolei cinco perguntas, ainda que a recomendação tenha sido que eu fizesse apenas três. Algumas eram curinga, para render assunto no caso dele ser um cara de poucas palavras. Tinha as obrigatórias - sobre a segunda parte de "Neon Future", álbum que será lançado no próximo 12 de maio. E tinha uma que eu faria a qualquer custo, e tinha pensado em engatar logo depois que ele comentasse algo sobre o novo trabalho.

Pesquisando, descobri que Steve tem uma graduação em estudos de gênero. Isso é lindo. Fiz disciplinas eletivas sobre o assunto no curso de Antropologia da UFMG, e uma das queixas do meu professor e dos autores que a gente lia era justamente em relação ao baixo envolvimento dos homens na discussão acadêmica sobre o tema (e quem dera se o problema fosse só dentro da academia). É mais lindo ainda porque estamos num momento bem peculiar no qual o feminismo entrou para o vocabulário da música pop, o que eu acho ótimo. Só que, reforçando a observação anterior, temos presenciado, em sua maioria, as mulheres apenas se posicionando sobre a questão: a rainha-diva-mãe-maior Beyoncé, a fofucha da Taylor Swift, as lelekas Rihanna e Miley e, por aqui no Brasil, Pitty com toda sua elegante eloquência. Steve é um membro muito bem vindo no clube, para mostrar que essa não é só uma questão de interesse para as Luluzinhas.

Às 20h, vinte minutos antes do horário marcado, fui avisada de que a entrevista havia sido cancelada. Steve estava finalizando uma sessão de fotos para a Vogue. Logo em seguida faria um show disputadíssimo no Palco Perry, com direito à segurança impedindo o público de entrar na tenda sob risco de super lotação.

Não fiz a pergunta que tanto queria para Steve: o que levou a escolher essa campo de estudos. Mas perguntei pro Google e descobri que ele se auto-declara feminista e não entende porque ainda há caras que acham estranho um homem dizer isso. Já temos um novo ponto de partida pra conversa quando rolar uma nova oportunidade de entrevista.

17 de abr. de 2015

Prestações de conta de uma festivaleira

Eu tenho sido uma moça tão rodada nos últimos tempos que rodei, rodei e fui para muito longe deste blog. Na foto, eu rodando no Chile, depois de rodar na Colômbia e antes do Paraguai 

Não tá fácil pra ninguém, muito menos pra este blog, que ficou parado lá em 2014. É que a dona dele anda atarefadíssima com a última cria, o Festivalando, projeto de turismo musical sobre o qual já falei aqui algumas vezes. Me sinto muito mal por isso, porque aqui é o meu playground maior, mas o Festivalando realmente precisa muito de mim neste momento e vai precisar por muito mais tempo. Amém.

Mesmo assim, vou me esforçar para manter alguma regularidade aqui, ainda que a periodicidade não seja das melhores. Para começar, vou reproduzir aqui um texto de minha autoria que fiz originalmente para o Papo de Homem um tempo depois da viagem de dois meses na qual o Festivalando foi parido. Ajuda a entender como ele e as experiências advindas dele invadiram minha vida de um jeito inescapável. Stay tuned!

O que aprendi viajando para festivais de música

Roskilde Festival, Dinamarca, julho de 2014. No acampamento, onde festas improvisadas se sucedem num contínuo temporal, um grupo de rapazes canta, dança e bebe umas cervejas do lado de fora da barraca. A alguns passos dali, atrás de uma barraca vizinha, um cara vira-se de costas, abre o zíper da calça e faz xixi. Uma menina se aproxima, fica do lado do cara, agacha-se, abaixa a calça e faz xixi. A festinha continua ao mesmo tempo em que alguns dormem nas barracas e outros circulam pelo acampamento. Enquanto isso, um menino, duas meninas e outro menino repetem a cena do xixi no mesmo local, sem alterar o curso festeiro.

Para os dinamarqueses, parece não importar muito quem está abaixando as calças para fazer xixi no matinho. Mas importava pra mim e pra Gra, amiga e companheira na travessia por sete festivais de música na Europa nos dois meses que se seguiriam. A jornada ainda ganharia lá no final, na Hungria, uma terceira mosqueteira, a Paula, para completar o trio de moças obsessivas-compulsivas por shows que se conheceram na faculdade de Comunicação.

Ali no Roskilde, onde presenciamos a cena em questão durante uma das muitas festas que acontecem no acampamento, dávamos o pontapé inicial na jornada de festivais e também ao Festivalando. Quem? Em sua forma concreta, Festivalando é o site que a gente transformou em bagagem para guardar os "causos" (somos mineiras!), experiências e memórias desses festivais, assim como lugares e pessoas que conhecemos e ainda pretendemos conhecer. Em sua forma abstrata, é a vontade de retomar o fôlego na vida e fazer o que a gente gosta do jeito que a gente quer: escrever, contar histórias, ir a shows, viajar. Tudo isso sem medo de escorregar na água derramada depois daquele chute básico no balde (alguns empregos foram abandonados nessa história).

Quando deixamos o Brasil atrás de um alívio para nossa fissura por shows e de experiências em terra estrangeira para contar no nosso site, não imaginávamos que ver meninos e meninas abaixando as calças lado a lado para atender à simples e natural necessidade de aliviar a bexiga seria uma das histórias que ficariam na nossa memória.

Entre perrengues com dinheiro, comida e banheiro (porque existem perrengues nos festivais europeus também, ainda que em menor grau); shows bons e ruins e episódios isolados como esse de Roskilde, nos festivais eu acabei vivendo de forma muito mais aguda aquele inevitável deslocamento cultural que vem de brinde com o deslocamento físico de uma viagem.

Passar dias e às vezes uma semana inteira indo a um mesmo festival me fez ver dinamarqueses, suecos, suíços, alemães, tchecos e húngaros pintando cenas comuns de seu dia e dia e de sua cultura com tintas mais carregadas. "Culpa" do natural clima de oba-oba, extroversão exacerbada e às vezes um quase desbunde que insiste em impregnar a atmosfera de festivais, mas que não se encontra nos roteiros turísticos tradicionais. Um sentimento cultivado e evocado pela mítica aura de liberdade e liberação herdada, consciente ou inconscientemente do mais mítico e arquétipo de todos os festivais, aquele lá de 1969 – o Woodstock.

Arte: equipe Papo de Homem

É claro que dinamarqueses e dinamarquesas não fazem xixi na rua uns do lado dos outros; existem banheiros separadinhos para cada um. Mas em uma região como a Escandinávia, onde a bandeira da igualdade de gênero é uma política levada a sério pelo Estado e com resultados efetivos (tinha até mulher narrando a final da Copa na TV, gente), a cena das moças e rapazes juntos no matinho sem serem incomodados ou questionados por ninguém é uma amostra desse quadro em sua versão, digamos, mais exagerada e libertina, como pede o clima de festival. O mesmo vale para a outra ponta do extremo, na República Tcheca, no Brutal Assault, festival de heavy metal, quando eu e Gra tivemos que lidar com assédios constantes e infantis de marmanjos que chegaram a tentar fotografar nossas bundas. Uma reprise exagerada e abobalhada dos gracejos que ouvimos nas ruas de Praga, direcionadas a nós mesmas ou a outras moças, muitas com cara de turistas.

Lá na Alemanha, quando passei um fim de semana no Resist to Exist – festival de punk, hard core e ska –, vi que o casal de punks debochados que seguravam um pedaço de papelão com os dizeres "Beer and Weed" (cerveja e maconha) em meio aos restos do muro de Berlim posicionados na Potsdamer Platz não eram só peça decorativa. Sempre há algo por trás da paisagem turística.

Concentrando uma amostragem na casa dos milhares da população punk que ainda resiste em Berlim, o festival me revelou algumas das diferentes razões dessa resistência e, meio sem querer, algumas sutis desigualdades. Como o menino que penou para me dizer em um inglês meio tabajara que se identificou com o punk diante da dificuldade de conseguir um emprego ou o estudante universitário que mora com a família e disse se identificar com as bandeiras políticas do movimento depois da gente ter uma conversa pseudointelectual e comparativa sobre as pegadinhas do alemão e de línguas neolatinas, como o francês. Foi também no festival que ouvi, durante os shows e no meio do público, os gritos mais altos contra o neonazismo, que hoje é uma assombração institucionalizada na figura do Partido Nacional Democrático (NPD), que propaga seus ideais neonazistas com representação no legislativo alemão em dois de 16 estados.

Discurso forte anti-nazismo em festival punk de Berlim

E eu, que só queria ver uns shows em lugares por onde ainda não havia passado e fugir do marasmo profissional que me perturbava já alguns anos, voltei para o Brasil sem o emprego que deixei para trás, com nove quilos de excesso de bagagem que me custaram 40 euros e mais uma bagagem na cabeça que vale mais que todos os euros que eu gastei em dois meses e que não pesa nem um décimo do medo que foi deixar para trás um emprego estável.

O Festivalando virou um projeto profissional em potencial, com todo o entusiasmo e energia que eu procurava há algum tempo e que uma ideia nova e promissora naturalmente tem. A peregrinação por festivais foi um encontro inesperado com alguns dos hábitos, valores e comportamentos de jovens como eu nos países por onde passamos, e que não se repetiu nos passeios que fiz por pontos turísticos tradicionais, tão cheios de gente de todo lugar do mundo, mas tão vazios de quem vive e faz o dia-a-dia e a cultura daquele lugar (isso não é um desprezo pelo turismo padrão. Trago comigo também boas recordações da turistagem no muro de Berlim e no Cassino de Montreux, por que não?).

Não imaginava que a vontade de ver os Stones no Roskilde Festival me levaria, sem querer, a ver como homens e mulheres enxergam uns aos outros na Dinamarca, naquela reveladora e anedótica cena do xixi lá do início do texto. Ou que a oportunidade de ir a um festival em Berlim para voltar a ouvir o punk rock que tanto escutei na adolescência me mostraria como há uma camada da população, principalmente jovem, consciente e temerosa dos riscos de uma nova onda conservadora (alguma semelhança com esse Brasil pré e pós eleitoral?). A gente quer explorar ainda mais esse recém-descoberto portal de experiências, e já temos outros cantos do mundo na mira das próximas viagens: Nepal, Japão, Colômbia, Estados Unidos.

Festivais de música:  eventos que aqui e lá apostam tanto numa tal de experiência e seguem se esforçando para entregar ao público ~experiências únicas~ em forma de lounges patrocinados e de uma alegria jovial e descolada pré-fabricada por departamentos de marketing e produção. Mal desconfiam que as experiências já estão prontinhas para acontecer, em qualquer lugar - no palco, claro, no meio do público e até atrás da moita.

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