3 notas sobre a morte de David Bowie

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25 de abr. de 2016

Em turnê pela América do Sul, Marillion prepara o álbum "FEAR" para setembro. Crédito: Carl Glover


Numa época em que impera a “retromania” – termo do crítico musical inglês Simon Reynolds para definir a obsessão da cultura pop em geral e da música em particular pelo passado, com inúmeras turnês de reunião, revivals e relançamentos de discos clássicos –, é notável quando uma banda com 37 anos de estrada não tenha ficado mais que quatro anos sem lançar material novo e esteja com mais um disco a caminho.

É exatamente o caso dos ingleses do Marillion que, em fase de finalização de seu 18º disco, abrem sua turnê 2016 com três shows no Brasil, um deles em Belo Horizonte, no domingo (1º), no Sesc Palladium. “Nós não conseguimos parar. Mais de 30 anos juntos significa que nós nos conhecemos uns aos outros muito bem e quando nós fazemos música juntos continua sendo divertido e especial. Porque deixaríamos de fazer isso?”, devolve o tecladista Mark Kelly.

Kelly promete um show com repertório diferente daquele visto há quase exatos dois anos, quando a banda tocou também em maio de 2014 na capital. “Nós também vamos fazer uso intenso de projeções de filmes de animação especialmente feitos para complementar as músicas”, promete.
O músico só não promete tocar – ainda – as músicas do novo álbum, que estão sendo lapidadas. O resultado final só virá a público em setembro, mês previsto para o lançamento de “FEAR – Fuck Everyone and Run” (“Medo”, cujas iniciais da palavra em inglês formam também as iniciais das palavras que compõem a frase que complementa o título, “f*** todo mundo e corra”, em tradução livre).

O título foi concebido pelo vocalista Steve Hogarth e carrega um significado mais profundo do que as palavras aparentemente mal-criadas e rebeldes possam sugerir num primeiro momento. “Todos os impulsos humanos que valem a pena vêm do amor. E todos os impulsos negativos vêm do medo. O título não carrega nenhum tipo de raiva nem tem intenção de chocar. Ele é usado num sentido terno, e também de tristeza e resignação, inspirado em uma Inglaterra e também em um mundo no qual a filosofia do ‘cada um por si’ cresce cada vez mais”, esclarece Hogarth, lembrando também que o título é mencionado na música “New Kings”, uma das faixas do novo álbum.

Sem economizar no realismo e na sinceridade, Hogarth adianta que “existe um sentimento de mau-presságio que permeia grande parte desse disco”. “Eu sinto que estamos nos aproximando de um tipo de mudança radical no mundo – uma tempestade política, financeira, humanitária e ambiental irreversível. Espero estar errado. Espero que o meu medo do que parece estar aproximando seja apenas isso mesmo, e não o medo do que de fato está para acontecer”, lamenta.

Kelly corrobora os efeitos desse cenário temerário na sonoridade do novo disco. “Liricamente o disco é bastante sombrio”, adianta. “Mas, de alguma forma, a combinação de música e letra é inspiradora”, pondera. Banho de realidade à parte, a banda conta que o disco novo soma, por hora, apenas quatro músicas próximas da finalização. Três delas têm mais de 15 minutos de duração. “É um álbum bastante progressivo que leva você numa viagem musical. Eu acho que vai se tornar um de nossos melhores discos”, aposta Kelly.

Sinal dos tempos para uma banda que lutou tanto para se desvencilhar, justamente, do rótulo de progressivo. “Não era cool ser chamado de progressivo, neo-progressivo ou qualquer outra coisa. Passamos a maior parte da nossa carreira não sendo descolados por causa disso e tentamos nos distanciar do rótulo de progressivo. Depois de um tempo, decidimos abraçá-lo. Hoje em dia, progressivo é cool, mas nem estamos reclamando. Nós somos qualquer coisa que as pessoas pensem que somos. Rótulos não importam tanto numa época em que é fácil apenas entrar na internet para conferir o que tem pra ouvir”, conclui.

Marillion
Sesc Palladium (av. Augusto de Lima, 420, centro, 3214-5350). Dia 1º (domingo), às 20h. R$ 350 (inteira, plateia 1), R$ 280 (inteira, plateia 2) e R$ 200 (inteira, plateia 3)

*Texto publicado originalmente no jornal Pampulha do dia 23/04//2016

11 de jan. de 2016

Starman


David Bowie morreu e eu passei o dia inteiro com três coisas na minha cabeça:

1) Estranheza é o sentimento mais forte pra mim neste momento 
Surpresos todos nós estamos, pesarosos também. Mas ainda tenho que lidar com o estranhamento porque Bowie parecia uma figura muito próxima nos últimos dias - o que por si só já é estranho. Eu passei a última semana de 2015 lendo O Homem Que Vendeu o Mundo - David Bowie e os anos 1970, uma análise exploratória super profundo e detalhada que Peter Doggett faz da obra de Bowie na década de 1970, período em que ele dominou a arte de surpreender o mundo (curioso que passei os últimos dias de 2014 também lendo um livro sobre Bowie, Dangerous Glitter - Como David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop Foram ao Inferno e Salvaram o Rock´n´roll, de Dave Thompson.

É um calhamaço de quase 600 páginas e eu tinha mais de 400 para finalizar a leitura que eu havia interrompido lá pra agosto. Devorei umas 100 páginas num dia, umas 50 em outro, 80 em outro, e nesse ritmo voraz acabei me adensando no universo "bowiano". Ao fim, parecia que eu tinha conhecido Bowie de perto e batido alguns papos com ele. O lançamento de "Blackstar" alguns dias depois, o aniversário e alguns documentários que vi na TV por conta da comemoração dos seus 69 anos só reforçaram essa sensação de presença de Bowie em minha vida.

Ele parecia tão próximo nesses últimos dias (justamente nesses últimos dias!) e, no mesmo instante em que estava aqui, já não estava mais.

2) A internet está certa
Horas depois da notícia da morte de Bowie, começaram a pipocar na internet textos que analisam como seu último disco era, na verdade, um anúncio sobre sua morte. As simbologias em torno do nome ("Blackstar"), do single ("Lazarus", o personagem bíblico que morreu e foi ressuscitado por Jesus, as menções ao paraíso na letra) e do clipe do single em questão (com Bowie em um leito de hospital) foram logo decifradas. Poderia ser mais uma das pirações conspiratórias dessa terra sem lei chamada internet, mas desta vez não há motivos para o ser.

O que Bowie fez de melhor não foi criar uma escola musical ou revolucionar um gênero, apesar dos bons hits, bons discos e a influência em gerações de músicas posteriores. A música foi o principal veículo que ele encontrou para expressar suas intenções artísticas e criativas, mas no fim das contas ele foi um performer e sua grande maestria foi usar carreira, palco e seus inúmeros personagens como um laboratório de testes sobre o que é ser um artista, um performer e sobre como é possível construir, desconstruir e manipular tudo isso.

Se até então Ziggy Stardust e os Spiders from Mars eram o melhor exemplo disso, as interpretações em torno da simbologia de "Blackstar" e do single "Lazarus" (letra e vídeo) indicam que temos agora uma amostra inimaginável e ainda mais emblemática dos happenings que só Bowie soube produzir.

3) Não adianta querer fazer textão sobre Bowie
Quando se tem Jon Pareles para condensar em um único parágrafo toda a significância da existência artística de Bowie, talvez o melhor a fazer seja apenas ler, reler e tresler o trecho do texto em questão. E também agradecer o fato de que há sempre alguém muito mais habilidoso em seu ofício para expressar e dar sentido àquilo que as nossas limitações nossas nos impedem de fazer.

"David Bowie, o compositor infinitamente mutante e ferozmente vanguardista que ensinou gerações de músicos o poder do drama, das imagens e personas, morreu no domingo, dois dias após seu aniversário de 69 anos."

Esta é uma tradução livre do obituário que o sempre brilhante Pareles escreveu para o New York Times. Nos regimentos internos do jornalão norte-americano, o primeiro parágrafo do obituário, chamado "cláusula quem", deve resumir com riqueza de detalhes a vida da personalidade citada.


PS: Meu agradecimento ao Nirvana, que regravou "The Man Who Sold the World" em seu acústico e, assim, me apresentou David Bowie.
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